Espiritualidade e Neurociências

05/08/2011 23:14

Espiritualidade e Neurociências

Postado em 08 de Julho de 2011 às 11:07 na categoria Ciência

meditaçãopor Rafael N. Ruggiero e Luis fernando S. Souza-Pinto 

Religião, espiritualidade, experiências extracorpóreas e neurociências. Parece o inicio de mais um livro de autoajuda que mistura religiões orientais e física quântica prometendo o segredo para o sucesso. Entretanto foi exatamente esse o tema de um recente trabalho científico publicado na revista Neuron. Pesquisadores italianos relataram que certas áreas do cérebro humano estão ligadas à espiritualidade e que alterações nessas estruturas podem influenciar na propensão a experiências espirituais.

O estudo chefiado por Cosimo Urgesi da Universidade de Udine teve como foco o que é chamado de autotranscendência: “a tendência de se projetar em dimensões mentais que transcendem contingências motoras e sensoriais do corpo”. Pode parecer estranho, mas é freqüentemente relatado por pessoas que possuem bastante fé e costumam meditar por longos períodos de tempo, um estado de consciência de fracos limites corporais e sentimentos de forte conexão com o universo como um todo.

Em estudos anteriores, pessoas experientes em diferentes formas de meditação, como freiras católicas e monges budistas, tiveram seu cerébro examinado usando técnicas que registram a atividade desse órgão. Esses exames indicaram que os estados mentais de epifania espiritual descritos de maneira subjetiva e abstrata pelos indivíduos eram acompanhados de mudanças na atividade em diferentes áreas do córtex cerebral – a camada mais externa do nosso cérebro e responsável pelos processamentos mais sofisticados da cognição humana.

De fato, a prática constante da meditação pode induzir mudanças nas funções cognitivas e na atividade neural que acompanham os praticantes por muito mais tempo que a prática da meditação em si. Diferenças na espessura do córtex entre praticantes experientes de meditação e indivíduos não praticantes também foram encontradas, sugerindo que as diferenças cognitivas e emocionais entre esses indivíduos estão expressadas também na anatomia do sistema nervoso.

O estudo publicado pelos pesquisadores italianos mostrou que uma região específica do córtex localizada na região posterior do encéfalo, o córtex parietal, tem uma grande participação na espiritualidade, mais especificamente na sensação de auto transcendência descrita anteriormente. Os cientistas estudaram pacientes com meningiomas – tipo de câncer que ataca o cérebro – e que foram submetidos a cirurgia para remoção do tumor. Realizando uma série de questões antes e após a cirurgia de remoção do tumor os pesquisadores foram capazes de acessar aspectos da espiritualidade dos indivíduos. O questionário centralizava em três principais componentes da auto transcendência: se perder no momento, se sentir conectado a outras pessoas e a natureza, e acreditar em um poder maior.

Os resultados mostraram que após a retirada do tecido nervoso na região do lobo parietal inferior esquerdo e no giro angular direito do encéfalo (ver figura), os pacientes relataram uma maior sensação de auto transcendência indicando um papel importante dessa região na percepção corpórea. Segundo Urgesi: “O mais surpreendente foi a rapidez da mudança. Essa descoberta mostra que algumas características complexas da personalidade são mais maleáveis do que se pensava”.



A remoção das regiões cerebrais em vermelho foi associada a um aumentoda autotranscendência nos pacientes examinados. Em A, aparece marcado o lobo parietal posterior, em B o giro angular (imagem: Urgesi e colaboradores/ Neuron).

Bom mas você pode estar pensando que essas mudanças podem ser devidas a condições estressantes da cirurgia e do perigo envolvido nela. Situações que por serem questionadoras podem influenciar a percepção e a espiritualidade de uma pessoa. Entretanto os mesmo pesquisadores verificaram que pacientes cujo tumor se localizava na região frontal do córtex – outra região envolvida com religião e espiritualidade – e que foram submetidos a cirurgia para remoção do tecido tiveram resposta bem diferentes após a retirado do tumor, indicando um menor sentimento de auto transcendência.

A explicação segundo os cientistas é que o córtex parietal está envolvido na representação de diferentes aspectos do conhecimento corporal. Lesões nessa região podem induzir déficits na representação espacial entre segmentos do corpo e alucinações relativas a partes corporais. Assim, a redução da atividade neural no córtex parietal durante experiências espirituais pode refletir na sensação alterada do corpo no espaço.

Uma diminuição da atividade no córtex parietal pode estar relacionada com as epifanias espirituais alcançadas por alguns praticantes e com as atitudes e comportamentos religiosos. Segundo os autores, esses dados sugerem que características da personalidade humana podem sofrer rápidas mudanças devido a lesões em regiões cerebrais indicando que algumas dimensões da personalidade podem ser influenciadas alterando-se a atividade neural em algumas áreas cerebrais.


O que esse artigo mostra de mais interessante para nós é que mesmo traços e pensamentos que julgamos como sofisticados e complexos possuem materialidade, ou seja, dependem de processos e relações materiais para serem expressos, no caso células neuronais presentes numa região do cérebro humano. A influência do pensamento cartesiano separando mente e matéria, corpo e alma moldou muito da nossa sociedade, inclusive a visão de saúde que encontramos atualmente. Médicos tendem a ser técnicos e epecialistas e na maioria das vezes não se preocupam com estado geral de saúde do paciente. Temos médicos especialistas nas terapias do sistema digestório, das doenças da pele, no sistema ciruculatório, etc. Raramente tem-se um quadro geral do funcionamento do organismo do paciente. Quando algum tipo de patologia transcende uma área especifica de atuação cabe ao paciente consultar diferentes especialistas e costurar diferentes diagnósticos. Quando o assunto toca temas como o estado emocional ou afetivo do paciente, mais incapacitado torna-se o corpo médico e na maioria das vezes o culpado é o genérico e famigerado “stress”. Na maioria das vezes trata-se os sintomas específicos que nos são “visiveis” por complexos exames permitidos pela tecnologia, mas o quadro geral de saúde continua sem investigação.

Por outro lado, temos diversos psicológos e psicanalistas que negam a materialidade da mente creditando a esta algum tipo de valor espiritual, zombando de termos como seronina e córtex parietal. Estes cometem a mesma falácia, afinal como o exemplo acima demonstra, a mente é o produto da atividade de um organismo, de neurônios presentes em um copro fisico material. Alterações no funcionamento dessas minusculas unidades celulares podem acarretar em comprometimento das funções cognitivas e emocionais levando a alterações no comportamento. É passada a hora do dialógo entra essas diferentes áreas começar.

 
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